Avaliações de Cervejas – Parte I

Pessoal, entro num tema diferente do que já venho abordando aqui no nosso blog. Sendo eu, Daniel, acostumado a falar sobre receitas de cervejas e toda a parte técnica envolvida, irei compartilhar com vocês um pouco sobre as avaliações de cervejas, mas de uma forma geral, tendo como base o guia do BJCP (algumas pessoas/locais se utilizam do guia da Brewers Association). Algumas abordagens sobre avaliação são pertinentes a qualquer tipo de avaliação, sendo que todos buscando o mesmo objetivo: Avaliar determinada cerveja dentro de um determinado estilo!

Primeiramente gostaria de fazer uma tradução (pessoal) da introdução do BJCP, realizada por Gordon Strong, em memória ao mentor do sistema de avaliação e classificação de cervejas Michael Jackson. Quem conhece um pouco de cervejas especiais, estudou algo sobre o assunto e já leu algum livro deste  autor saberá do sentimento de que estou falando:

Um homen é lembrado pelas vidas que ele tocou e pelo trabalho realizado. Michael Jackson foi umas das maiores autoridades influentes em cervejas que o mundo já viu. Ele tem inspirado gerações de avaliadores de cervejas com sua  paixão, conhecimento e prosa. Seus livro permanecem como referências definitivas sobre os estilos de cervejas e serão para sempre encontrados nas estantes de qualquer pessoa séria sobre cervejas. Mas ele será mais lembrado por viver a vida sobre seus próprios termos, fazendo o que queria de uma forma que o espectador sinta uma mistura de incrédulo, inveja e perplexidade. Durma bem Filho de Yorkshire e Bardo da Cerveja, você fará falta.

Gordon Strong, Presidente do Beer Judge Certification Program (BJCP)

Assim, iniciar esse post falando sobre artigo do Gordon Strong para a Revista Zymurgy (o artigo na íntegra é disponibilizado pela própria revista neste link). Neste trabalho o autor cita 6 pontos básicos para se avaliar cervejas, e que serão abordados (mais detalhadamente) abaixo:

  1. Entender do estilo. Parece até um tanto idiota falar isso, mas muitas vezes este fato é esquecido ou negligenciado. Saber sobre a história do estilo e de como é esse produzido torna-se relevante principalmente nas provas do BJCP. Já para avaliações em geral, é importante para saber se uma cerveja é mais maltada ou mais amarga, mais esterificada ou com mais aroma de lúpulos, dentre outros parâmetros. Para isso o BJCP disponibiliza a versão de 2008 do guia com todos os detalhes técnicos das cervejas, dentre eles: Aparência, Aroma, Sabor, Corpo, Impressão Geral, História, Comentários, Ingredientes e Exemplos Comerciais, além de constar todos os dados técnicos como OG, FG, IBU, SRM e ABV (traduzindo: Densidade Inicial, Densidade Final, Amargor, Coloração e Teor Alcoólico).  Lendo sobre o estilo no BJCP você terá todos os parâmetros necessários para entender o que está avaliando, de uma forma teórica. Do ponto de vista prático, Gordon cita que você deve  comprar cervejas comerciais do estilo para entende-lo melhor.
  2. Identificar e descrever o que os sentidos percebem. Aqui começa a tarefa difícil: descrever tudo o que você sente. Lembra frutas, mas qual tipo? Cítricas, ou está mais para Ameixas. É tão borbulhante que chega a ser ácida? Lembra vinho do porto? É semelhante ao sabor de nozes? Parece cheiro de cavalo  (Brettanomyces)? A descrição deve ser precisa e relatada em quantidades e qualidades.
  3. Alguns compostos aromáticos são voláteis e tendem a dissipar de forma rápida. Para contornar isso, recomenda-se uma rápida “cheirada” na cerveja, logo depois de servida. Isso também é importante para acompanhar a evolução da cerveja, conforme vai vagarosamente aquecendo no copo e transformando-se. Algumas características são elevadas com o aquecimento e outras são dissipadas, podendo sumir completamente (irei abordar este fato mais a fundo na Parte II deste post).
  4. Observe a cerveja, de preferência contra a luz, focando em sua cor, formação e retenção da espuma. O observado é relativo à cada estilo: muitos estilos de cervejas devem ser cristalinos, outros podem ser mais opacos, alguns tem pequena presença de espuma e outros uma espuma bela e persistente.
  5. Dê um pequeno gole na cerveja. Avalie os níveis dos diferentes ingredientes da cerveja (maltes, lúpulos, fermento e água), não se esquecendo da sua força (teor alcoólico), secura, balanço, carbonatação, final e after taste. Após isso, tente identificar algum off flavor (alguns deles são encontrados de forma delhada neste documento da Morebeer). Tome pequenos goles e tente avaliar os diferentes elementos a cada novo gole.
    Um adendo importante é sobre os tão famosos Off Flavors. Já pensei em falar sobre eles, mas como diz nosso grande colega e Sommerlier de cervejas Paulo “Feijão” (do site oBIERCevando), existe uma pequena e crescente corrente de “degustadores” no Brasil que preferem (logo de início e como ponto principal) experimentar uma cerveja e falar rapidamente sobre seus off flavors e pontos negativos, esquecendo dos pontos positivos da presente cerveja.
  6. Observe como sua impressão muda ao passar do tempo. Se a cerveja estiver muito gelada quando servida, suas características tendem a aparecer conforme ela aquece no copo.

Posso afirmar, com convicção, que de todas as cerveja já degustadas por mim, NENHUMA delas tinham mais pontos negativos do que pontos positivos dentro do proposto estilo. Duvido que, até mesmo dentre as receitas mais simples, não consigamos encontrar a presença de malte e no mínimo um toque sútil de lúpulo, haja visto que os cervejeiros caseiros (na sua grande maioria) não fazem o uso de adjuntos para diminuir os custos de produção. Peço a todos que esqueçamos dos pontos negativos das cervejas e nos atenhamos as características positivas: pense pelo lado positivo, pois até mesmo uma cerveja contaminada pode ser encarada como uma linda e bela Sour Beer ou Lambic.

O modelo de avaliação de cervejas também é disponibilizado pelo BJCP neste link. Entretanto, apenas com este instrumento não podemos simplesmente avaliar cervejas, pois muitas dúvidas vão surgindo ao preencher os simples (mas detalhados) ítens da cartilha de avaliações. Para isso, iremos abordar mais especificamente os  5 principais pontos de avaliações de cervejas: Aparência, Aroma, Sabor, Corpo e Impressão Geral.

A aparência é o primeiro item da lista, mas não o primeiro a ser percebido ao servir a cerveja (explicarei no ítem 2 o porquê). Podemos subdividir a aparência em 4 pontos importante: Coloração da Cerveja, Claridade, Formação da Espuma e Duração da Espuma.

1.1 Já falei da coloração das cervejas quando falei sobre o Uso de Açúcar em Cervejas, mas reforço aqui com essas imagens que relatam os diferentes níveis de coloração das cervejas. Para os mais aficcionados, o BrewersFriend, montou uma cartilha com a coloração conforme o BJCP.

Conforme cita o BJCP, para se avaliar a aparência da cerveja, eles disponibilizam essa cartilha (à direita) não tão específica quanto o modelo formulado acima, e que deve ser impressa em tamanho real. Na parte de baixo dela existe a marcação de 5 cm, que é indicada para medir a espessura do copo para a avaliação da cor (caso esse seja maior ou menor, pode-se fazer 5 cm na altura e olhar a cerveja de cima para baixo). O plano de fundo deverá sempre ser branco, usando uma folha de papel branca ou um pedaço de tecido. A fonte de luz deve ser a solar ou uma fonte semelhante. Muitas vezes aproximações serão necessárias, assim como interpretações do avaliador, pois quanto mais turvas (geralmente protein haze ou fermento em suspensão) mais escuras as cervejas aparentaram ser.

1.2 Quanto à claridade da cerveja, elas são divididas basicamente em cristalinas (normalmente filtradas), levemente turvas (protein haze ou fermento em suspensão, como citei anteriomente) ou turvas, sendo este último normalmente em cervejas não filtradas e que por algum motivo sofreram uma agitação muito intensa – nada que alguns dias de refrigeração não resolvam.

1.3 A formação de espuma está intimamente relacionada com o nível de carbonatação, quanto maior o nível de carbonatação, mais espuma a cervejar irá formar inicialmente, mas isso não quer dizer que a espuma será persistente. Dependendo do estilo baixos níveis de carbonatação são aceitáveis, como em Barleywines.

1.4 Por fim, a duração da espuma está correlacionada com vários fatores. O pessoal do Blog Henrik Boden, fizeram um post bem bacana com o título Em busca da espuma perfeita. Concordo com quase todos os pontos citados por eles, apenas discordo (por experiência própria) que o uso de parada proteica por um curto período (10~15 minutos) pode melhorar a qualidade da espuma das cervejas.

O aroma da cerveja deve ser anotado de uma forma bastante rápida logo que servida a cerveja (devido aos compostos voláteis citados anteriormente) e deve ser feito de uma forma detalhada dos principais componentes, mas sem dar nenhum tipo de nota.

Os aromas da cerveja são bastante variáveis devido aos três componentes que se repetem no sabor da cerveja e que podem ser mais bem detalhados nas rodas de sabores. É interessante ter uma roda destas impressas, pois tendo a base do aroma/sabor que se está sentido, podemos nos direcionar de uma forma muito mais precisa.

Um vocabulário cervejeiro ajuda bastante no momento da degustação, assim como análises de quantidade e qualidade. Como exemplo podemos citar um aroma de lúpulo. Ele é forte, mediano ou fraco? Ele é floral, cítrico, terroso ou herbáceo? Você consegue diferenciar se o lúpulo é de origem Inglesa, Alemã, Norte Americana ou Nobre?

Atenha-se também às características secundárias da cerveja, o aroma de caramelo é moderado a baixo? Leve sabor tostado? Caso tenha alguma dificuldade com os diferentes aromas, é interessante conversar com outros degustadores sobre os sabores que você necessita treinar mais, solicitando amostras de bons exemplares quando encontrados (o que facilita também na identificação de off flavors).

Como citei anteriormente, o sabor normalmente acompanha o aroma da cerveja, sendo bastante semelhante. Mas exixtem pontos citados na roda de sabores e que são exclusivos do sabor, como por exemplo o doce/salgado, o amargo, o oxidado, entre outros.

As mesmas perguntas referentes ao aroma, são pertinentes ao sabor também – principalmente em quantidade e qualidade –, pois uma cerveja pode ter leve aroma de lúpulo mas com sabor alto. Como exemplo de descrição de sabor que deve ser evitada, podemos citar o maltado, mas qual tipo de maltado? Grão? Pão? Chocolate? Frutas Escuras Secas? Tostado? Torrado? Caramelo?

Detalharei mais este tópico posteriormente, no próximo post.

O corpo da cerveja é algo mais fácil de ser analizado, mas que também exige prática por ser muito subjetivo. Uma exemplo de cerveja de corpo extremamente baixo para mim é a Oude Gueze Boon, com seus 8% de teor alcoólico e densidade final baixíssima. Já uma cerveja com bastante corpo, podemos citar as que incluam Aveia em sua formulação, como por exemplo uma Oatmeal Stout.

A carbonatação também é um ponto que deve ser avaliado dentro do critério corpo. Basicamente podemos descrever: intensa/borbulhante, média, baixa/fraca ou ausente.

Comentários em geral e feedback ao cervejeiro devem ser feitos aqui. Basicamente descreve-se quão agradável foi tomar a cerveja analizada, levando em conta o conjunto geral da cerveja degustada (dentro do proposto estilo analizado), esquecendo opiniões pessoais! Sugestões são muito bem vindas, principalmente quando se conheçe um pouco mais afundo sobre os ingredientes das cervejas. Dessa forma, seria possível sugerir acrescentar um toque de Fuggles no aroma de uma cerveja do estilo ESB que não continha-o. E o mais importante: não “Ache” que a cerveja foi produzida de alguma forma ou com algum ingrediente sem ter certeza absoluta – no caso de dúvida, omita sua opinião.

No próximo post irei falar sobre as etapas do preenchimento da ficha de avaliação do BJCP e como andam as avaliações aqui no Brasil (nessa última parte gerará espero gerar mais discussão).

Cheers!

Tags: , , , , ,

4 Responses to “Avaliações de Cervejas – Parte I”

  1. June 22, 2011 at 19:52 #

    Excelente post! Porém o embasamento técnico deve ir além do BJCP, correto? Em breve, suas cervejas no meu blog :)

    • June 22, 2011 at 20:04 #

      Boa tarde, Fabrício. Eu, Diogo, diria que sim… afinal, o embasamento técnico para avaliação de cervejas vai além do referêncial do BJCP, passando pela sensibilidade em julgar, diferenciar, a capacidade de compreender bem um painel sensorial, entre outras!
      E obrigado, aguardamos um comentário sobre nossas cervejas aí no seu blog!

      • June 22, 2011 at 20:30 #

        Valeu Diogo! Conto os dias pra prová-las!

    • June 22, 2011 at 23:32 #

      Muito boa sua colocação Fabrício. Na segunda parte abordarei bastante isso, principalmente na parte chamada Interpretação.

Leave a Reply to Daniel