Avaliações de Cervejas – Parte III

Aposto que não sou apenas eu que me deparo com a seguinte dúvida:

“Bom, já lí bastante sobre avaliações de cervejas e como avaliá-las, mas quando vou começar uma avaliação não consigo transportá-la para o papel!” 

Sejam bem vindos ao mundo das descrições amigos!

Nesta Parte III, iremos responder essas e mais outras perguntas, mas antes um comentário inicial para qualquer um que, por ventura, possa se sentir “ofendido” pelo restante do post:

Não procuro citar nomes, muito menos questinar análises específicas dentro do universo cervejeiro brasileiro, apenas tento informar às pessoas sobre a avaliação das cervejas como um todo, buscando avaliações sinceras e objetivas, mesmo que isto torne a cerveja fora do estilo proposto inicialmente pelo Fabricante (Cervejeiro Caseiro, Cerveja Artenasal ou Cerveja Comercial). De forma alguma venho propor desmerecer qualquer cerveja, pois mesmo a cerveja estando fora do estilo, ela pode continuar sendo uma cerveja maravilhosa no sabor e que você não deixaria de tomar algumas garrafas.

Uma forma de evoluirmos é elevar nosso vocabulário cervejístico, com termos relacionados aos sabores/aromas detectaveis nas cervejas. A memória olfativa nos faz lembrar de experiências que já passamos com os diversos tipos de alimentos.

Podemos encontrar em vários locais descrições dos aromas/sabores de cervejas, como por exemplo na roda de sabores postada no primeiro post sobre Avaliações de Cervejas. Outra fonte muito boa é a do maior site de avaliações de cervejas do Brasil, o Brejas. Eles disponibilizam o link para este arquivo, aonde citam diversos atributos para se avaliar dentro de cada um dos quesitos de avaliação. Cito eles abaixo com algumas modificações pessoais:

Aparência

  • Aparência (Espuma): Nada, pequena, média, grande, enorme, dura, cremoso, espumosa, cor ( branco, bege, avermelhado. marrom claro, escuro), duradoura,  fugaz…
  • Aparência (Partículas): Poucas, médias, bastante, flutuantes, no fundo, claras, escuras…
  • Aparência: Claro, borbulhante, calmo,  agitado, turvo, opaco, nublado, sujo…
  • Aparência (Coloração da Cerveja): Muito clara, clara, pálida, dourada, âmbar claro, âmbar médio, âmbar escuro, cobre/garnet,  marrom claro, marrom/avermelhada, marrom escuro, escuro, preto profundo…

 Aroma

  • Aroma (Malte): Pão, biscoito, rapadura, caramelo, cereais, feno, palha, aveia, chocolate, café, toffee, tostado, defumado, queimado, nozes, amêndoas…
  • Aroma (Lúpulo): Floral, perfumado, herbal, aipo, grama, pinho, árvore, resina, cítrico, uva, laranja, abacaxi, maracujá, limão, lima, picante…
  • Aroma (Levedura): Massas, doce, cavalo, curral, couro, sopa, queijo, carne, terra, bolor, folhas…
  • Aroma (Álcool): Leve, médio, alto, pronunciado, suave, indetectável…
  • Aroma (Diversos): Banana, chiclete, cravo, uva, damasco, uva passa, ameixa seca, frutas secas, frutas cristalizadas, ameixa, maça, pêra, pêssego, abacaxi, cereja, framboesa, frutas vermelhas, cassis, vinho, porto, alcatrão, madeira, manteiga, fumaça, carvão, shoyo, licor, cola, mel, açúcar mascavo, maple syrup, baunilha, pimenta, temperos, noz-moscada, canela, gengibre, tabaco, poeira, giz, legumes, milho, papelão, papel, remédio, solvente, bandaid, gambá, leite, vinagre, ovo, peixe, metal, adstringente, …

 Sabor

  • Sabor: Doce, azedo, amargo, ácido, salgado… Além de ser bastante semelhante ao aroma, mas podemos detalhar algumas sensações em intervalos importantes como, curto, médio, longo, intenso e exagerado.

 Corpo

  • Corpo: Denso, suave, moderado, cremoso, licoroso, metálico…
  • Corpo (Belgian Lace): Excelente, bom, justo, ausente…
  • Corpo (Carbonatação): Borbulhante, vívida, média, leve, baixíssima, ausente.

 

A cor dos odores!

Muitas vezes nos deparamos com descrições extensas e detalhadas cheias de sabores e aromas, as quais nos fazem parecer meros seres insensíveis aos sabores, aromas e gostos das cervejas. Mas não é bem assim! Cito de forma bastante crítica uma publicação feita pelo Helio Schwartzman, da Folha de SP, referente a um artigo científico desenvolvido com vinhos, mas que se aplicaria facilmente a vários “avaliadores” de cervejas do Brasil.

Basicamente o artigo cita alguns experimentos realizados na Universidade de Bordeaux (por Morrot, Brochet e Dubourdie, em The color of odors), onde foram realizados diversos trabalhos de análise sensorial. Em um dos estudos, foi utilizado um vinho branco servido em duas taças diferentes, mas em um delas foi adicionado um corante insípido e inodoro. O resultado? Várias análises diferenciadas, inclusive relatando detalhes específicos para cada tipo de uva.

Durante outro experimento, foi pesquisado o mesmo vinho servido com dois rótulos difentes, um com os dizeres “grand cru” (vinho de excelência) e o outro “vin de table” (vinho de mesa). O resultado? Os ditos “especialistas” deram avaliações muito diferentes a cada uma das amostras. O “grand cru” foi considerado “agradável, amadeirado, complexo, balanceado e arredondado”, enquanto o “vin de table” lhes pareceu “fraco, curto, leve e achatado”, vale ressaltar : dos 52 avaliadores, apenas 12 falaram que o vinho de mesa valia o investimento.

Vários são os outros pontos interessantes citados no artigo científico, dentre eles posso citar:

Seres humanos possuem uma excelente habilidade de detectar e discriminar odores, mas tipicamente apresentam uma grande dificuldade em identificar aromas específicos (Richardson & Zucco, 1989). E essa dificuldade aumenta com a complexidade do aroma sentido (Jinks & Laing, 1999). Participantes experientes e treinados capazes de identificar amostras únicas em 100% das vezes, são capazes de identificar apenas de 3 a 4 componentes em uma mistura de aromas (Livermore & Laing, 1996). Em contraste com outras modalidades sensoriais, o fato de não haver termos específicos para descrever alguns aromas, suportam a idéia de uma associação deficiente entre o aroma e a linguagem.
Nós (os autores), propusemos que, na maioria dos casos, o aroma sozinho é um sentido que não fornece informações suficientes para a geração de uma decisão consciente. Sem considerá-lo como sendo um sentido menor, é provável que o cheiro forneça informações específicsa que pode modificar a percepção construída pelas outras modalidades sensoriais.

Agora lanço a pergunta a vocês: Quantos por ai avaliam cervejas assim? Sem qualquer entendimento dos estilos, aromas, ingredientes e procedimentos? Realmente aquilo que está descrito é verdadeiro, ou nossa mente nos prega peças quando não conseguimos definir exatamente um aroma?

Claro que devemos prestar bastante atenção principalmente em dois pontos:

  • Primeiro: Saber escrever!  Algumas pessoas possuem essa insana habilidade de transformar qualquer texto em uma grande história e aventura, e isso também vale para o mundo cervejeiro. Muitos iniciam suas avaliações falando da história da cerveja, do processo utilizado na sua fabricação e a quais cervejas tradicionais a degustada remete, migrando de forma suave para às características da cerveja e finalizando com sua impressão. Já alguns avaliadores seguem um julgamento semelhante aos maiores sites de avaliações dos EUA (Ex: BeerAdvocate e RateBeer), onde as cervejas são (normalmente) avaliadas dentro dos 5 itens do BJCP (aparência, cor, sabor, aroma e impressão geral) de forma bastante suscinta, seguida de alguns breves comentários.
  • Segundo: Enteder do que se descreve. De uma forma bastante prática, é necessário muita concentração na avaliação de cervejas, e o que na nossa opnião, você adquire tomando várias cervejas de diversos estilos, lendo e pensando sobre estilos, suas histórias e seus ingredientes. E, o mais importante de tudo, acompanhando e observando a produção é que podemos avaliar os efeitos dos ingredientes na cerveja final. Hoje, nós da drei Adler, conseguimos identificar alguns tipos de lúpulo, principalmente quando utilizados de forma isolada (também com outros, mas com mais esforço), apesar de ainda apresentarmos dificuldades em descrevê-los, principalmente quando associados com diferentes tipos de lúpulos. Os maltes achamos a parte mais difícil de identicar, mas as diferenças mais marcantes estão nos maltes utilizados na base da cerveja, como Munich, Pilsen e Pale Ale. Referente as leveduras, achamos mais fácil classificá-las como Ale ou Lager e dentre as Ales, caracterizando-a conforme sua origem (Belga, Inglesa, Norte Americana…). Quanto aos processos, saber o que uma decocção causa na cerveja, ou o que é autólise, assim como a evolução de 6 meses de cerveja engarrafada, são alguns pontos facilmente reproduzidos quando se faz cerveja em casa e que podemos utilizar para evoluir nosso paladar. Uma cerveja de mesmo IBU fervida por mais de 90 minutos com o lúpulo causará um efeito diferente de uma fervida por 60 minutos, assim como adição de algum composto doce não fermentável (como lactose/dextrose) que irá fornecer um dulçor totalmente diferente do duloço gerado pela baixa atenuação de algumas cepas de leveduras.

Avaliações de rótulos no Brasil x BJCP

Criticamente falando, o que o Brasil faz hoje em questão de avaliações de cervejas? Não estamos migrando justamente para a mesma história dos trabalhos realizados com vinhos, aonde aprendemos a descrever algo que não sentimos? Ou pior ainda, não estamos valorizando cervejas que fogem totalmente a um estilo?

Em alguns blogs, podemos notar a cópia da ficha da cerveja disponível no site da importadora. Não acreditamos que isso seja grave, apesar de um tanto sem personalidade.

Mas o mais grave fica por conta de vários blogs que julgam cervejas sem critérios. Não estou falando em seguir o BA ou o BJCP, mas simplesmente por acrescentar pouco a avaliação como um todo. Se estamos avaliando algum estilo mais clássico e que pede parâmetros específicos de OG e IBU, estes devem ser seguidos. Qualquer pessoa com um breve histórico de degustar cervejas consegue detectar facilmente se uma cerveja está dentro do teor alcoólico e do IBU indicado para o estilo.

Agradeço à todos que aguardaram o post, e desejo um ótimo caminho e evolução nas degustações que realiza!

Cheers!

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