Queijos Artesanais – Parte V (agora pra valer)

Maravilhas de harmonizações de queijos e cervejas!

Hã! Sim, isso mesmo pessoal, agora além de cervejas extravagantes (boa palavra, Daniel), agora começamos na produção de queijos artesanais pra valer.

Há algum tempo o Diogo já havia produzido seu primeiro queijo fermentado com Brettanomyces e que ficou surpreendentemente gostoso (cof cof, ao menos não morremos!). Além disso, buscamos valores há muito perdidos na nossa sociedade atual – há algumas décadas nossos pais e avós eram acostumados a produzir muitos de seus alimentos, bebidas e carnes. Aliás, quem aqui nunca escutou de algum(a) avó(ô) ou tia(o) sobre a famosa cerveja de gengibre!

Ótima tabela com alguns dos principais tipos de queijos e seus sabores.

Como a nossa própria produção de cervejas artesanais, nosso intuito de produzir queijos é de podermos degustar nossos próprios queijos sem precisar pagar um valor absurdamente alto por isso e, se divertindo e aprendendo durante as etapas e receitas. Atualmente produzimos 4 tipos de queijos: 1 Grana Padano de 2,8Kg; 1 Queijo tipo suiço de 5,8Kg, 4 Queijos Azuis de 1,5Kg cada e 8 Queijos Brancos tipo Brie de 650gr cada.

Assim como a cerveja, existem inúmeros tipos de queijos, assim como inúmeras formas de classificá-los, mas achamos muito interessante esta representação que mostra inclusive as características de aromas e sabores associados aos tipos de queijos. E quanto a produção alguns conceitos são bastante básicos e comentaremos a seguir:

Ingredientes

Leite

Se a base da cerveja é uma boa água, a qualidade de um bom queijo advém de um bom Leite. Mas nos deparamos com um divisor de águas, utilizar leite cru (direto do campo) ou leite pasteurizado. E esta escolha também é muito dependente do tipo de queijo que você irá produzir e da sua disponibilidade (em algumas cidades será bastante difícil encontrar leite cru). Sobre os principais pontos de cauda um podemos citar:

  • Leite cru: apresenta o lado positivo de possuir uma complexidade muito grande de microrganismos (você normalmente utiliza metade do fermento recomendado para leite pasteurizado), maior teor de proteínas e gorduras (pois não é padronizado, apesar da maioria dos fazendeiros removerem a “nata” superior do leite diminuindo o teor de gorduras, em média, para 3,75% a 4,50%), não necessidade de utilizar produtos extras como cloreto de cálcio e,  principalmente, a não pasteurização influencia na próprio o leite (aumentando o tamanho das gorduras, o que facilita a coagulação e mantendo os “complexos” microrganismos). Já pelo lado negativo podemos citar a própria complexidade de microrganismos, os quais podem incluir causadores de doenças(!); caso o fazendeiro não cuide bem dos seus animais,  ele pode deixar passar algum animal com infecção das mamas (mastite), ou colostro (primeiro leite após o parto), ou ainda, maus cuidados com higiene de equipamentos de ordenha e estocagem. Então caso você vá utilizar este tipo de leite, tenha muita certeza da qualidade do mesmo.
  • Leite Pasteurizado:  dependendo do ponto de vista, essa padronização do teor de gorduras e proteínas (3% gordura no mínimo) geram produtos mais “padronizados” e com uma maior taxa de repetibilidade. Uma forma de “corrigir” leites pasteurizados seria utilizando nata, ou seja, gordura do leite concentrada, mas ai enfrentamos dois principais problemas: a pasteurização da nata produz modificações nas gotículas de gorduras, que prejudicam a coagulação, e segundo, poucas são as natas hoje em dia que não levam nenhum espessante (este irá prejudicar e MUITO a coagulação do leite). Falando especificamente da nossa produção que não é comercial e queremos produzir queijos diferenciados, optamos pelo leite cru.

 Coalho:

A pergunta que fica: quem teve a idéia de colocar o estômago de um animal desses dentro da panela de leite para fazer queijo?

Sua origem é bastante inusitada, pois se utilizava revestimento interno do estômago de filhotes de ruminantes (bezerro, cordeiro ou cabrito) que ainda não haviam ingerido alimentos sólidos, apenas leite. Neste revestimento existiam duas enzimas responsáveis pela coagulação:  a quimosina e a pepsina. A pepsina é responsável por deixar o queijo com um gosto “amargo”, e alguns coagulantes antigos tem essas duas enzimas. Como se pode imaginar hoje essa técnica não é mais utilizada, hoje podemos optar por diversos tipos bacterianos de quimosina pura e de diversas “potências” – mais recentemente ficou disponível a quimosina “fermentada” oriunda de bactérias fermentativas geneticamente modificadas e que produzem especificamente quimosina.

Sua escolha vai depender basicamente do tipo disponível de quimosina. É muito importante saber sua potência, pois variamos sua quantidade, principalmente conforme a receita! (alguns tipos pedem menos coalho, como foi nosso caso com o Queijo Azul).

Fermentos

Assim como na cerveja, devemos acrescentar “fermentos” no queijo. Mas se tratando de fermento na parte de queijos, estamos falando muito mais de bactérias do que de leveduras, pois aqui o foco principal é a acidificação do leite e coalhada, enquanto as leveduras tem papel secundário, como por exemplo no mofo branco dos queijos brie e camembert ou o mofo azul dos queijos azuis e afins.

As bactérias para os queijos podem ser dividas basicamente em dois tipos quanto a temperatura de fermentação:

  • Mesófilas: São os Lactococcus lactis com várias subespécies (antigamente chamados de Streptococcus lactis) variando em velocidade de acidificação e algumas até de gás (CO2). Sua faixa ótima de temperatura fica entre 20 e 30°C, mas algumas podem tolerar até 42°C sem morrer (não quer dizer que será a melhor faixa de trabalho).
  • Termófilas: Aqui já temos vários representantes, sendo os principais o Streptococcus thermophilus, o Lactobacillus delbrueckii e o Lactobacillus lactei. Tendo a maioria deles como temperatura ótima de trabalho 42°C e tolerância máxima de até 55°C.

A esquerda Penicillium roqueforti e a direita Lactobacillus spp. Foto ilustrativa, as bactérias são extremamente menores do que os fungos.

Além desta definição, existe uma outra um pouco mais científica, mas muito importante e que pode ocorrer tanto em mesófilas quanto em termófilas. Apesar do principal subproduto da fermentação destas bactérias ser o lactato, ele pode ocorrer na forma de isômeros, dependendo da cepa de bactéria (voltando a química do colégio, isômero é o mesmo composto mas como se ele estivesse sendo refletido no espelho). Com isso o resultado da fermentação pode ser o D-lactato ou o L-lactato, sendo apenas este subproduto da fermentação, as bactérias são chamadas de homofermentativas. MAS, normalmente as bactérias que geram o D-lactato também produzem gás carbônico, ethanol e um pouco de acetato; neste caso, são chamadas de heterofermentativas (e essa produção de gás carbônico obiviamente gerará olhaduras nos queijos, de tamanhos variáveis conforme a cepa de bactérias).

Também não podemos esquecer dos principais fungos utilizados na preparação de queijos. O mais popular destes é o Penicillium roqueforti, famoso pelos queijos azuis. Mas podemos citar  outros fungos de queijos brancos como o Penicillium candidum e o Geotrichum candidum, utilizados de forma conjunta ou separados.

Aditivos

  • Cloreto de cálcio: em se tratando de leite pasteurizado é obrigatório seu uso, podendo ocorrer problemas principalmente na coagulação do leite, na retenção de gorduras e umidade da coalhada. Dependendo da concentração, recomenda-se em torno de 20 a 40ml para cada 100L de leite.
  •  Lipases: lembra da história do uso da mucosa de animais novos para a produção de queijos? Bem, não é apenas a quimosina e a pepsina que havia nesta mucosa… Lipase também se encontra em grande concentração, maior do que a quantidade encontrada naturalmente no leite. Mas diferentemente da quimosina, a lipase não é (facilmente) encontrada em outra forma que se não de origem natural – sim, você precisará utilizar um elemento removido da mucosa de animais jovens. E pasmem: quanto mais jovem, melhor! Ela também possui diferentes “potências” e varia conforme a espécie de animal, sendo a de bovinos a mais suave, a de caprinos intermediária e a de ovinos a mais potente. Ela é tratada como um aditivo opcional e tem como função elevar os aromas e sabores dos queijos. Seu uso nunca é obrigatório, mas alguns estilos de queijos só são bem reproduzidos com a sua utilização.

Agora algumas fotos de alguns dos nossos queijos:

Nosso Gorgonzola já perfurado e há 10 dias com desenvolvimento dos fungos. Esperamos que internamente esteja se desenvolvendo assim também!

Grana padano após a salga. Este será degustado apenas no final do ano.

 

Como comentamos no início, começamos a engatinhar na produção de queijos, pois assim como a cerveja existem vários detalhes no processo, como o ponto da coalhada, que é específico para cada tipo de queijo e muitas vezes difícil de ser explicado em manuais, e mais ainda difícil de ser entendido na prática, caso ainda não tenham se produzido diversos queijos.

Posteriormente falaremos sobre a produção de alguns de nossos queijos, sobre insumos disponíveis no Brasil e fora do país, e sobre receitas mais específicas.

 

Cheese and Cheers!

Tags: , , , , , ,

No comments yet.

Leave a Reply