Açúcar em Cervejas – Part I

Como já havia falado via Twitter @dreiAdler nesse próximo final de semana, mais especificamente dia 28 de maio (Sábado) a partir das 8:00h da manhã, acontecerá em Blumenau o Workshop de Cerveja Artesanal (WPCA) da Acerva Catarinense. O evento contará com dois módulos: um para iniciantes e outro avançado.

Dentre o módulo para iniciantes teremos as seguintes palestras:

  • 9:00h Construção de Equipamentos Cerveiros – Daniel Presser (Cervejeiro Caseiro): Falará sobre a Montagem de panelas; Montagem de sistema de filtração (Bazooka e Fundo Falso); Montagem de Chiller de Imersão e Montagem de Fermentadores.
  • 9:00h Construção de Equipamentos Cerveiros -Loreno Minatti (Cervejeiro Caseiro): Falará sobre a Montagem de Counter Pressure; Montagem de Agitador Stir Plate; Montagem de Chiller de Contra-Fluxo e Instalação de Controlador de Temperatura.
  • 10:30h Lúpulos: Variedades e Cálculo – Fabian Prochnow (Cervejeiro Caseiro): Falará sobre Tipos de Lupulos; Adequação de Lúpulos Conforme Estilo Produzido; Cálculo de IBU e Criação de Receitas Utilizando o Software BeerSmith.
  • 10:30h Utilização de Açúcar em Cerveja – Daniel Vilmar Ropelato (Cervejeiro Caseiro): Falarei sobre o porque do uso de açúcar; aAçúcar em estilos belgas; cálculo para uso do açúcar; como preparar seu candi sugar; influência de cada tipo de açúcar na cerveja pronta (com degustação).
  • 13:00h Estilos de Cerveja – Paulo “Feijão” (Beer Somelier): Falará sobre os variados estilos de cerveja existentes no mundo e fala um pouco de suas características, classificações e escolas cervejeiras.
  • 13:00h Microbiologia – Alceu Dimmer (Mestre Cervejeiro da Cervejaria Bierland): Falará sobre a influência dos microorganismos, propagação e cuidados para evitar a contaminação das cervejas.
  • 14:30h Harmonização de Queijos e Cervejas – Verre à Biére. Os Beer Someliers Rinoldo Cunha e Luiz Chalusnhak ministram uma palestra sobre este casamento entre o leite sólido e o nosso pão líquido, desvendando a intimidade deste matrimônio. Além da parte teórica, serão degustados quatro tipos de queijos, hamonizados com quatro estilos de cerveja Bierland.

Para maiores informações do local e inscrição basta acessar o site da Acerva SC e aproveitar esse maravilhoso evento cervejeiro!

Sobre a palestra, abordarei os seguintes tópicos:

O uso do açúcar: histórico

Reinheitsgebot! Não poderia começar um texto sobre o uso de açúcar em cerveja sem comentar algo sobre a tão falada lei de pureza alemã. A Lei do consumidor mais antiga do mundo foi decretada por Guilherme IV em 1516 e baseia-se em uma tentativa de manter a qualidade da cerveja distribuída à população sem a adição de componentes como cinzas, cogumelos, raízes, derivados de animais, dentre outros possíveis agentes nocivos a saúde, utilizando-se apenas água, malte e lúpulo. Mas realmente ao promover a Lei, algumas empresas da atualidade tentam manter tal controle de qualidade quanto  é demonstrado?

A controvérsia começa ao vermos que na sua Lei original era inaceitável a utilização de Malte de Trigo para a produção de cervejas, pois como o trigo era também utilizado na produção de pães – este último teve um aumento no seu preço devido à diminuição da sua produção e seu consumo por parte das cervejarias. Outro fato importante é que nos dias de hoje  todas as cervejarias fazem controle e ajuste da sua água para produção de cerveja, mas essa adição de sais não era prevista na Lei de Pureza Alemã.

Segundo os autores citados por Ron Pattinson: Verlag Leipzig e Franz Schönfeld falam sobre alguns estilos de cerveja antigos que possivelmente foram extintos com o auxílio da Lei de Pureza Alemã, dentre alguns podemos citar:

Fruit Bier como Cherry Bier e Lemon Bier: Cervejas similares com as produzidas na Bélgica hoje em dia, mas com um toque alemão.

Säuerliche Bier: Cervejas pálidas, levemente lupuladas e contendo ácido láctico, sendo produzidas com malte base mais malte de trigo na proporção de 3 a 4 para 1.

Grätzer Bier: Cervejas pálidas, com bastante lúpulo, produzida com malte de trigo e malte defumado.

Breyhan: Por algumas centenas de anos foi o estilo mais difundido na Alemanha do Norte. Pesquisas contemporâneas do estilo dizem ser semelhante ao estilo Gose, sendo produzida com malte de trigo.

Braunschweiger Mumme: Cervejas viscosas, quase pretas, alcoólicas, pouco atenuadas e bastante lupuladas. A consistência viscosa vinha de uma fervura longa e intensa, cerca de 1 hora e 30mints sem o lúpulo e mais 3 horas após a adição do lúpulo.

A Lei de Pureza Alemã é a favor do uso de apenas Malte para produzir a cerveja, mas muitas cervejarias tomam isso como se fosse todo o processo de produção da cerveja, sem levar em consideração várias etapas que são muitas vezes antecipadas e até mesmo forçadas para a produção de uma cerveja “Puro Malte, conforme a Lei de Pureza Alemã”.

Você considera uma cerveja “Puro Malte” que realiza a fermentação em 7 dias, faz a maturação por mais 7 dias, força a carbonatação, filtra e pasteuriza a cerveja, tendo uma qualidade superior a uma cerveja com cerca de 5 a 10% de um produto para elevar a complexidade da cerveja? Muitas informações não nos são fornecidas pelas cervejarias, mas vale a atenção ao processo produtivo das cervejas que bebemos.

O uso do Açúcar

A utilização de açúcar em cerveja tem como base o aumento da complexidade fornecida pelo açúcar e aumento da “digestibilidade” da cerveja.

Por digestibilidade entende-se como o equilíbrio da cerveja, tanto na relação amargor-dulçor quanto ao corpo (mouthfeel) da cerveja. Segundo John Palmer os dois constituintes mais importantes para o corpo da cerveja são: açúcares não fermentáveis e proteínas.

Açúcares caramelizados como os açúcares dos maltes caramelos, e açúcares de cadeia longa como as dextrinas, são exemplos de açúcares não fermentáveis. As dextrinas são açúcares sem sabor específico que adicionam corpo/viscosidade para a cerveja. Malte Carared, Caraamber, Chocolate dentre outros, possuem uma quantidade maior de açúcares caramelizados devido ao processo de produção destes maltes. O potencial de densidade destes maltes é parecido com o malte base (Pilsen/Pale ale), mas solubilidade não significa que ele é fermentável. Os açúcares destes maltes não contribuem para a fermentação e geram dulçor residual, além de contribuir para uma densidade final mais alta.

Já as proteínas mais importantes para o aumento do corpo de uma cerveja, são as chamadas de “proteínas de tamanho médio”. Durante a parada protéica as peptidases quebram as “proteínas grandes” em “proteínas médias” e as “proteínas médias” em “proteínas pequenas”. Nos maltes utilizados atualmente, a maioria das proteínas já foram convertidas em “proteínas médias” e “proteínas pequenas”, devido ao desenvolvimento dos maltes, e a realização de uma parada protéica iria reduzir ainda mais o corpo, por degradação das “proteínas médias”.

Cito 4 motivos para a utilização de açúcares e seus derivados na produção de cervejas:

  1. A produção de mosto com densidade superior a 1,070 apenas com malte é inviável e desnecessário, pois os sabores/aromas/gostos não são elevados colocando-se mais malte.
  2. Diminuição da sensação de corpo adquirido em cervejas de alto teor alcoólico produzidas apenas com malte.
  3. Evitar a utilização excessiva de maltes, principalmente referente a maltes especiais.
  4. Atingir sabores fornecidos pelos açúcares caramelizados e que não são conseguidos através do uso de maltes, pois a reação de caramelização ocorrida com o açúcar é diferente da reação de Maillard ocorrida com os maltes, conforme explicado abaixo.

 

Reação de Maillard

A reação de Maillard foi descrita em 1912 por Louis-Camille Maillard. Trata-se de uma reação que ocorre entre os aminoácidos ou proteínas e os açúcares (carboidratos) redutores. Neste contexto, quando o alimento é aquecido o grupo carbonila do carboidrato interage com o grupo amino do aminoácido ou proteína e, após várias etapas, produz melanoidinas, que dão a cor e o aspecto característicos dos alimentos cozidos ou assados.

Segundo Strong Gordon (presidente do BJCP), melanoidinas são açúcares marrons de tamanhos e cores variados e que são formados na reação de Maillard, principalmente durante a fervura intensa, na decocção e também em alguns maltes especiais. Alguns autores citam que as melanoidinas não possuem sabor, mas Strong Gordon fala que são açúcares bastante complexos e que além de pouco caracterizados são de grande complexidade.

Dependendo dos tipos de proteínas e açúcares que compõem o alimento, o processo produz resultados diferentes quanto a aspecto, cor e sabor, que são característicos para cada tipo de malte, além de variar conforme o tempo e a temperatura utilizada, produzindo os diversos tipos de maltes existentes.

Reação de Caramelização

A definição da reação de caramelização é curta: A caramelização envolve a conversão de açúcares em compostos coloridos pela hidrólise inicial em monossacarídeos seguida da polimerização deles pela influência do calor. Isso quer dizer que a hidrólise inicial estimula a produção de açúcares simples tornado o Candi Sugar claro mais fermentável e conforme sua cor vai escurecendo e seus compostos polimerizando, torna-se menos fermentável.

Tipos de Açúcar:

  • Açúcar Invertido

É a sacarose (açúcar comum) que sofreu hidrólise em meio ácido (catalisado pela presença de calor), gerando dextrose e frutose. É assim chamado por fazer um feixe de luz polarizada se deslocar para a esquerda. Esses açúcares são de mais fácil digestão para o fermento. O sabor acrescentado por este tipo de açúcar é praticamente nenhum, pois não é caramelizado, mas deixa a cerveja com corpo mais leve e aumenta sua drinkability.

  • Açúcar de Cana

Dissacarídeo composto de glicose mais frutose, mas precisa ser quebrado pelo fermento para poder ser usado nas suas formas mais simples (glicose e frutose), além de inverter a sacarose caso ainda não tenha ocorrido, o que pode levar a um tempo de fermentação prolongado por alguns poucos dias. Um problema relatado do seu uso seria um padrão de “cidra”, mas que se perde com algumas semanas após o engarrafamento. Usado para diminuir o corpo da cerveja e diminuir a coloração, além de adicionar pouca complexidade final à cerveja.

  • Glicose

Também chamada de dextrose ou açúcar de milho. É um monossacarídeo derivado de outros açúcares e pronto para uso do fermento. Uso para elevar o álcool, diminuir a coloração e diminuir os custos da cerveja. Não adiciona complexidade alguma a cerveja e é extremamente fermentável, sendo a maltose outro tipo de açúcar com resposta semelhante no resultado final e na utilização pelo fermento.

  • Açúcar Mascavo

Intermediário entre o açúcar de cana e o melado, tanto no sabor quanto na complexidade. Pode ser um produto bastante variável conforme o local de produção.

  • Melado

Extremamente variável. Para os americanos, pode explicar uma mistura de açúcar com impurezas, representando 90% de compostos fermentáveis. Já para os ingleses, o “Treacle” é um tipo de açúcar acidificado sendo o resíduo do refinamento do açúcar comum. No Brasil temos como um bom padrão em relação ao melado, sendo composto pela fervura do caldo de cana e remoção das suas impurezas. Adiciona uma complexidade única à cerveja e é relativamente bem fermentável.

  • Mel

Produto natural e complexo produzido pelas abelhas, possui o sabor relacionado a florada de origem, sendo o mel de laranjeiras e o mel silvestre os mais indicados para a produção de cervejas. Já o mel de eucalipto não é indicado, pois o sabor desenvolvido pode lembrar o aroma de desinfetantes a base de eucalipto. O sabor desenvolvido pelo mel é bastante diferenciado e único além de ser bastante fermentável.

  • Mel de Melato

Produzido pelas abelhas a cada 2 anos de abril a janeiro e é feito a partir dos excrementos (adocicados) de insetos sugadores de seiva. Não encontrei seu uso em cerveja, mas por ser bastante diferente e complexo, deve acrescentar aromas semelhantes ao mel mas com determinadas particularidades.

Na próxima semana continuarei a falar dos açúcares, repassando como elaborar o candi sugar, e sobre a utilização destes açucares em alguns estilos belgas.

Cheers!

Edit: Disponibilizo Aqui o arquivo em pdf para download.

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  1. Oceânica Belgian IPA – Colocando a cara a tapa | Cerveja Artesanal Oceânica - November 10, 2012

    […] Esta composição, apesar de simples, merece alguma atenção. Primeiro, decidimos por utilizar apenas um único malte, pois sendo uma cerveja em que dois grandes atores devem se destacar (fermento e lúpulo), não quisemos colocar nada em vossos caminhos. Mas não colocar nada nesta disputa, não quer dizer que estamos deixando os dois se virarem sozinhos. Eles merecem uma boa base, um meio de campo de qualidade. Afinal, artilheiro não faz gol sozinho. Por isso inserimos um jogador de qualidade e já entrosado, pelo menos com o fermento: um bom malte belga. A base da cerveja é belga? Então nada mais justo que um bom malte base belga. A utilização do açúcar visa deixar a cerveja mais seca. É uma técnica citada pelo autor Gordon Strong como um dos segredos para a produção de uma verdadeira Tripel. Fizemos os cálculos para que a densidade se elevasse em aproximadamente 0,020 apenas pela adição de açúcar. Isto resultou na utilização de aproximadamente 12% de açúcar na composição de fermentáveis. A escolha pelo candi sugar foi para dar um pouquinho de personalidade e também de cor. Sobre adição de açúcar, sugiro a leitura do ótimo blog da Nanocervejaria Drei Adler. […]

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