Açúcar em Cervejas – Part II

Continuando o post sobre a o uso de açúcar em cervejas, iremos abordar aqui a parte de produção, suas cores e aromas, assim como seu uso. Abordaremos também os principais estilos de cervejas belgas e possibilidades do uso dos diferentes tipos de Candi Sugar nesses estilos.

Candi Sugar

É produzido através da cristalização lenta de uma solução altamente concentrada de açúcar quente, sendo levemente acidificado (pH próximo de 5) tornando o açúcar invertido. Quando resfriado em tanques com cordas de algodão penduradas ocorre a formação dos cristais nestas que são quebrados em pedras ou “rocks”. Para os cervejeiros caseiros a produção de um Candi Sugar líquido é mais prático, principalmente no momento de acrescentar à cerveja.

A receita de Candi Sugar é bastante simples, tendo de realizar alguns cuidados essenciais durante o processo:

  1. Açúcar;
  2. A mesma quantidade em peso de água;
  3. 8 gotas de limão para cada 100ml de água (10ml de suco de limão para 1L de água);
  4. Termômetro específico (até 200ºC) – opcional.

Modo de preparo: Adicionar tudo em uma panela e levar ao fogo alto e mexer, isso irá estimular a inversão do açúcar e não deixará o açúcar caramelizar no fundo da panela. Após a fervura se tornar intensa, o fogo deverá ser baixado (entre 110 e 120ºC), pois os açúcares simples caramelizam mais rápido, como podemos ver na tabela abaixo:

Tipo de Açúcar Caramelização
Frutose 110° C
Glicose 160° C
Sacarose 170° C

O controle da temperatura é essencial para a produção de um Candi Sugar saboroso, além de se ter um controle melhor sobre a coloração do mesmo.

Existem algumas tabelas que envolvem múltiplas adições de água para atingir a coloração desejada do Candi Sugar, pessoalmente já realizei ambos métodos e não notei diferença entre os dois.

Alguns cuidados ao produzir o Candi Sugar

Não mexer a mistura durante a fervura, pois pode transbordar

• Ao experimentar o açúcar, pingue uma gota em uma superfície plana e fria e AGUARDE! E Não lamba a colher, isso pode causar queimaduras graves.

• Depois de adquirida a coloração desejada coloque o Candi Sugar ainda quente em uma superfície de metal ou maleável (NÃO de plástico) e espere pelo menos 1 hora para desenformar, ou então faça a adição de água para o desenvolvimento do Candi Sugar líquido.

Ao adicionar o Candi Sugar na panela de fervura (15 minutos finais de fervura), certificar-se de deixá-lo FRIO ou jogar as “pedras” quebradas na panela, e NUNCA adicionar a solução após desligar o fogo enquanto ainda quente, pois poderá causar um “boil over” além da possibilidade de levar a queimaduras e perda de cerveja.

Coloração final do Candi Sugar:

Outro ponto que devemos levar em conta ao produzir o Candi Sugar é a sua coloração e o efeito final na cerveja após pronta, segue abaixo a tradução do artigo citado anteriormente da Basic Brewing Radio (as cores não são citadas pelos autores originais, sendo de autoria da Nanocervejaria drei Adler):

  • Amarelo claro (Rose): Claro, mas com uma leve tonalidade avermelhada. Não adiciona muitos sabores, semelhante ao uso de açúcar comum. Tempo de fervura: 15 a 20 minutos.
  • Amarelo médio (Light): Coloração que lembra alperce e sabor associado com pêssego e suco de uvas brancas com leves toques de baunilha. Tempo de fervura: 20 a 35 minutos.
  • Âmbar claro (Light Amber): mais âmbar que o anterior e com um toque avermelhado. Adiciona sabor de caramelo com leve toque de frutas (uva, resina, suave sabor de ameixa e damascos). Ligeiro sabor de baunilha e cardamomo. Tempo de fervura: 35 a 45 minutos.
  • Âmbar médio (Medium Amber): Coloração âmbar, lembrando uma mistura de laranja com vermelho. Sabor caramelo mais pronunciado com cardamomo, ameixas com um leve toque de assado. Ligeiro sabor de café. Tempo de fervura: 45 a 50 minutos.
  • Âmbar escuro (Deep Amber): Coloração vermelha escuro. Rico sabor resinoso e de ameixa; café tostado com rum; suave amadeirado e complexo sabor de caramelo do “toffee” ou do doce de caramelo. Tempo de fervura: 50 a 55 minutos.
  • Mogno (Mahogany): Marrom na cor, tartárico e amargo no sabor. Tempo de fervura: 55 a 60 minutos.

Aqui ao lado, podemos ver a roda de diferentes cores de Candi Sugar produzidos em casa. O ideal é sempre utilizar uma panela de pequeno porte, uma quantidade de açúcar que leve até o meio da panela, e uma fervura em fogo extremamente baixo. A tendência é de que o Candi Sugar demore para adquirir uma cor leve, mas para as cores mais fortes o intervalo de tempo é bem menor.

É bom também que o Candi Sugar fique pronto entre 40 minutos, para os mais claros) até 1 hora e 30 minutos para os mais escuros – lembrando novamente, em fervura baixa!

Açúcar em Estilos Belgas

Dicas Gerais

Para a produção de cervejas belgas mais secas o indicado é que a sacarificação ocorra em temperaturas mais baixas para que sejam produzidos uma maior quantidade de açúcares fermentáveis, sendo indicado entre 63º e 65°C por 60 a 80 minutos. Além da utilização de lúpulos nobres para o fornecimento de um amargor mais limpo e suave, como por exemplo : Saaz, Styrian Goldings, Tettnang e Spalt.

A fermentação também deve ser realizada de forma gradativa, com início próximo de 18°C no primeiro dia de fermentação seguido de um aumento de 1°C por dia, até o quinto dia que indicasse uma fermentação em temperatura ambiente (até 30°C), sendo isso mais um estímulo para a atenuação.

Como calcular a adição de açúcar na cerveja

Tomamos como exemplo uma brassagem de 20L de cerveja, com eficiência de 75% e 6Kg de Malte Pilsen, isso nos dará uma densidade inicial de 1,067. Tomando o uso de 10% de Candi Sugar, existem duas formas que as pessoas calculam para adicionar o Candi Sugar r na cerveja, a partir do peso de malte (“errada) e a partir da densidade (“certa”):

Errada: 10% de 6Kg de malte corresponde a 600gr, então reduz-se a quantidade de malte para 5,4Kg mais 600gr de Candi Sugar. A densidade inicial da sua leva de 20L será de 1,070.

Certa: 10% da densidade deverá ser de Candi Sugar. Ou seja, se a densidade final da leva é de 1,064 a quantidade de Candi Sugar deverá acrescentar 1,0064 pontos de densidade nos 20L finais de cerveja, o que é igual a acrescentar  5,25Kg de Malte Pilsen (1,060 pontos de densidade) mais 450gr de Candi Sugar (1,007 pontos de densidade) gerando uma cerveja com 1,067 pontos de densidade inicial e com 10% de Candi Sugar.

Se avaliarmos a diferença entre a forma errada (OG: 1,070) e a forma certa (OG: 1,067), são apenas 3 pontos de densidade – o que corresponde a 4,5% de densidade a mais –, o que não e realmente relevante, mas se formos avaliar a quantidade de Candi Sugar adicionada, vemos que irá de 450gr para 600, o que equivale a 25% a mais! Sendo essa uma quantidade bastante diferente e que pode levar a surpresas na cerveja final.

PS: Vários autores falam do uso a partir do peso de maltes, nós discordamos dessa idéia pois ela varia conforme a eficiência da cervejaria, e quanto mais baixa a eficiência, maior será a % de açúcar na receita. As duas formas de calcular estão ai, basta que você escolha a melhor conforme seu julgamento.

Os estilos relatados para uso dos diferentes Candi Sugar seguem conforme a classificação 18 do BJCP

Estilos 18. Belgian Strong Ale, sendo subdividido em:

  • 18.A Belgian Blond Ale
  • 18.B Belgian Dubbel
  • 18.C Belgian Tripel
  • 18.D Belgian Golden Strong Ale
  • 18.E Belgian Dark Strong Ale

18.A Belgian Blond Ale

Um estilo de cerveja belga bastante suave e sutil apesar dos 6,5 a 7,5% ABV tolerados pelos estilo. Possui notas predominantes de fermento (fenólico, perfumado ou de mel).

Sua base de ingredientes é bastante simples, usa-se Malte Pilsen como base acrescida de um toque de Malte Aromático (Melanoidina é o exemplo deste tipo de Malte fornecido pela Wyermann). Possui corpo médio, o que leva a uma adição moderada de Candi Sugar.

Utilizando apenas Candi Sugar, recomendo a adição do Amarelo Claro ou Amarelo Médio de 3 a 6%, sendo esse valor variável conforme a adição de Malte Aromático, pois a cerveja não deve ser muito escura. Caso não deseje acrescentar Malte Aromático, pode-se trabalhar apenas com Malte Pilsen e Candi Sugar Amarelo Claro associado ao Candi Sugar Âmbar Claro.

18.B Belgian Dubbel

Uma cerveja mais escura que a anterior, apesar da tolerância alcoólica semelhante para o estilo (6,5 a 7,6% ABV). Apresenta notas de frutas secas, associada a um frutado derivado do fermento. Bastante complexa, mas sem notas exageradas de álcool.

Algumas receitas são um tanto complexas, tendo Malte Pilsen como base e adição de outros como Melanoidina, Caramunich ou Cristais Escuros e até mesmo um toque de Malte Chocolate para a adição de complexidade. Outras, relativamente mais simples têm com base o Malte Pilsen e a complexidade fica por conta do Candi Sugar de colorações mais escuras.

Recomendo, quando em receitas associadas a outros Maltes Especiais, o uso de Candi Sugar de colorações mais claras e em menor quantidade como é o caso do Candi Sugar Âmbar Médio de 5 a 8%. Já em receitas mais simples, pode-se trabalhar apenas com o Candi Sugar Âmbar Escuro de 4 a 7% ou numa associação com o anterior (4% mais 3% respectivamente). Como a sensação de corpo do estilo é de Médio-alto, a quantidade de Candi Sugar não deve passar os 7 a 9%, pois essa sensação pode ser diminuída.

18.C Belgian Trippel

Estilo baseado nos ésteres frutados do fermento e baixa complexidade dos Maltes. Como apresenta corpo médio-baixo a médio, a quantidade de Candi Sugar adicionada por ser a mais alta para os estilos belgas aqui citados.

A recomendação fica para a utilização de Malte Pilsen como base e a adição de Candi Sugar de colorações mais Claras em quantidades altas, até 15% para o Candi Sugar Amarelo Claro, 10% para o Candi Sugar Amarelo Médio e 6% para o Candi Sugar Âmbar Claro. Uma associação interessante são os três acima citados em quantidades decrescentes (5%, 4% e 3% respectivamente). Ou então a associação dos dois mais claros em 8% e 4% respectivamente. Caso deseje uma Trippel de coloração mais escura, pode-se utilizar cerca de 4% de Candi Sugar Âmbar Médio ou Escuro associado a um Candi Sugar mais claro.

18.D Belgian Golden Strong Ale

A mais clara das cervejas dos estilos belgas citados, possui ésteres que remetem a peras, laranjas ou maçãs. As notas de álcool são baixas e perfumadas, então o uso de Candi Sugar deve ser moderado.

No Brasil, as cervejas representantes do estilo são bastante diferentes das de Origem Belga. As Belgas são bastante secas e pouco maltadas, já as nacionais são o oposto, adocicadas e maltadas. A recomendação de Candi Sugar é mais moderada. Cerca de 12% para Candi Sugar Amarelo Claro e 6% de Amarelo Médio quando utilizados sozinhos. Para maior complexidade pode-ser mesclar estes dois na quantidade de 6% e 4% respectivamente, além da associação de 4% de Candi Sugar Âmbar Claro.

18.E Belgian Dark Strong Ale

A mais alcoólica e escura dos estilos belgas aqui citados (8% a 11% ABV). O estilo possui um leve toque maltado e adocicado, sendo o aroma de malte rico e derivado do Malte Munich. Os ésteres frutados são moderadamente baixos a altos e podem conter notas de resina, ameixas, cerejas ou figo.

As recomendações aos tipos de Candi Sugar são bastante amplas aqui. Podemos novamente contar com a presença de Maltes Especiais (Melanoidina, Caramunich, Cristal ou até mesmo Chocolate) e diminuir as quantidades de Candi Sugar mais escuros, ou então basear-se nos mesmos com pequeníssimas quantidades de Maltes Especiais. As versões de monastérios Trapistas possuem corpo médio baixo a médio (indicando um maior uso de Candi Sugar) enquanto as versões fora destes monastérios apresentam corpo Alto.

O intuito destes posts sobre açúcar é atentar a todos sobre os benefícios das cervejas produzidas com a Lei de Pureza Alemã, mas que apenas isso não é diferencial para cervejas de qualidade e o processo de produção é tão ou mais importante quanto à própria seleção de Maltes ou Lúpulos. E o mais importante, a adição de um adjunto, no caso um produto a base de açúcar, busca acrescentar aromas, sabores e complexidade à cerveja e não diminuir seu custo de produção.

Gostaria de parabenizar a todos da Acerva SC pelo maravilhoso curso WPCA realizado aqui em Blumenau. O fechamento do curso com a Harmonização de Queijos e Cervejas foi magnifico, não poderia ter sido melhor. Todas as cervejas degustadas da Bieland estavam maravilhosas. Contamos também com a presença do ilustre Sr. Dimmer, o mestre cervejeiro da Bierland. E uma boa notícia a todos, as duas cervejas da Bierland medalhistas no Australian International Beer Awards (Pale Ale e Bock) estarão disponíveis com leves modificações nas receitas, todas elas para melhores. A Pale ale mais aromática e mais amarga e a Bock com toque de lúpulo de sabor. Para prová-las basta procurar as cervejas com o selo do campeonato, mas estas irão demorar mais algumas semanas para estarem disponíveis no mercado.

Cheers!!

Edit: Disponibilizo Aqui o arquivo em pdf para download.

2 Responses to “Açúcar em Cervejas – Part II”

  1. Pedro P V Varella
    November 10, 2013 at 06:34 #

    Boa noite!
    Muito bom o post e a iniciativa, pairam ainda algumas duvidas praticas, mas um “teste de campo” deve soluciona-las
    Infelizmente nao consegui baixar o PDF.
    ate!

    • November 13, 2013 at 12:25 #

      Bom dia, Pedro.
      Já corrigi o link… esse tipo de coisa é complicado, as vezes some mesmo. Obrigado pelo alerta!

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